Marta Magalhães | Mercado Livre

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Marta Magalhães

Marta nasceu na divisa da Bahia com Minas Gerais. Boa parte do que conquistou foi por meio do esporte, ela foi damista e jogadora de handebol. Para ela, o esporte, sua estrutura familiar e seus professores foram os alicerces que a fizeram ganhar perspectivas e hoje gosta de retribuir isso com as pessoas que desenvolve. Ela mora em São Paulo com seus cachorros, ama viajar, principalmente para jogar handebol, e gosta muito de ler sobre diversidade. Hoje é Gerente Sênior de Tecnologia no Mercado Livre, e se orgulha em ter um time que tem como a diversidade uma de suas pautas principais: atualmente, 40% composto por mulheres no overall, e que também apresenta diversidade racial e social. Conversei com ela sobre sua trajetória, desde a escolha de sua formação acadêmica até sobre carreira profissional, e os impactos de ser mulher em toda sua jornada.

NEO:

Por que você escolheu sua formação em sistemas da informação?

Marta Magalhães:

“Ao mesmo tempo que sempre fui muito fã de esportes, meu lado nerd sempre esteve presente, competia em olimpíadas de matemática, adorava estudar! Não tive muito acesso a computador ao longo de minha infância/adolescência, fui ter o primeiro com 18 anos. Entrar na área de tecnologia não foi planejado, não sonhei com isso quando criança. Meu sonho era ir para as olimpíadas, mas sabia que era inviável devido ao contexto do esporte no Brasil.


Ao longo do ensino médio comecei a ver as opções que tinha e sistemas de informação tinha tanto elementos de exatas, quanto de negócios. E foi esse o caminho que escolhi!”

NEO:

Imagino que seja um meio muito masculino. Tinha alguma mulher na sua sala?

Marta Magalhães:

“Na época nem imaginava como seria essa distribuição de gênero, mas foi um baque para mim quando entrei na sala e vi pouco mais de 5 meninas (risos). Por conta do handebol, estava acostumada a compartilhar minha rotina com mais 20 meninas, então foi um cenário bem diferente para mim.”

NEO:

Você sente que o fato de ser mulher gerou algum obstáculo na sua carreira e nos ambientes vivenciados por você? Sente que precisou se provar mais?

Marta Magalhães:

“Cheguei a passar por situações em reuniões em que apesar de ser o ponto de referência do tema, um diretor se dirigia a qualquer outro homem da mesa ao invés de a mim. Já tive colegas pares ganhando 30% a 40% mais que eu com as mesmas atribuições, ou até mesmo desempenhando tarefas com menor complexidade ou relevância para o negócio.

Tive que me provar mais para uma promoção, via colegas que conseguiam dar passos largos ou mais acelerados, enquanto eu tinha que pegar os projetos mais complexos para mostrar que eu conseguia fazer.

Isso vai acontecendo de forma velada no dia a dia, muitas vezes nem nos damos conta. Sendo da área de tecnologia, em pouquíssimas oportunidades fui liderada por uma mulher. Isso faz diferença no dia a dia, seja no contexto de representatividade, ou mesmo para poder compartilhar nossos dilemas e desafios com alguém que viva algo parecido.”

NEO:

Uma sensação comum entre mulheres na sociedade é a chamada Síndrome da Impostora, o sentimento de que serão descobertas como uma fraude a qualquer momento quando estão obtendo sucesso, ao invés de ficarem confortáveis e orgulhosas de suas conquistas. Você enxerga isso nas mulheres ao seu redor? Você mesma já sentiu isso em algum momento?

Marta Magalhães:

“Falando em linhas gerais, mulheres não são criadas para terem destaque, e sim para sermos a bonequinha, a fofinha, a bonitinha, de forma mais comum o que se ressalta são atributos estéticos, enquanto para o homem, normalmente o que se é ressaltado são suas habilidades, o quão inteligente ele é. Por exemplo, é mais comum dar um lego para o menino do que para uma menina, então é normal o menino construir um castelo enquanto a menina brinca de boneca.

Não tem nada de errado nisso, mas os estímulos são muito diferentes ao longo da vida e crescemos com outros tipos de percepções. Estamos acostumadas a receber críticas e termos que trabalhar em nós mesmas o tempo todo, se questionamos algo de forma mais firme recebemos algum tipo de rótulo sobre nossa saúde mental. Somos sabotadas a vida inteira, muitas vezes por nós mesmas, muitas vezes pelos outros.

Síndrome da impostora eu vejo como produto de uma grande carga que carregamos desde que nascemos, e é um conjunto de fatores, e não fatos isolados. Tenho trabalhado muito isso com as mulheres do meu time, porque, generalizando, nós não fomos preparadas para fazer questionamentos e precisamos aprender a nos colocar, quebrar alguns paradigmas para que não seja um tabu falar sobre salário, promoções. Penso que a insegurança abala a performance, investimos muita energia nessa auto sabotagem que poderíamos utilizar em outras coisas. Neste contexto, existir uma rede de apoio é muito importante, falar a respeito para ajudar umas as outras.

Hoje vejo que mulheres em posições de liderança tem muita responsabilidade, principalmente sobre a forma como usam seu espaço de fala.

Já vi mulheres líderes dizerem que nunca passaram por esse tipo de coisa, da síndrome da impostora ou alguma discriminação pelo gênero (e que bom que isso não tenha acontecido), mas infelizmente essa realidade não é a de todas. Então o cuidado aqui é para não anular a realidade das demais pessoas. E é justamente nessa hora que precisamos nos unir e criar essa rede de apoio que suporte, que acolha, que ajude a dar direcionamento para que essas barreiras sejam vencidas. Sinto no meu dia a dia como é incrível poder ver o resultado desse processo de desenvolvimento, sem dúvidas é algo extremamente recompensador.”

NEO:

Por muito tempo, características consideradas como femininas acabaram sendo vistas como fraquezas no mercado de trabalho. Muitas mulheres, para se encaixarem, acabam achando que precisam se masculinizar para serem ouvidas e levadas em consideração no trabalho. Você enxerga isso nas mulheres ao seu redor? Você mesma já sentiu isso em algum momento?

Marta Magalhães:

“Vejo isso como uma estratégia de sobrevivência. Um dos feedbacks construtivos que recebi e que foi duro para mim na época de receber, era de que eu era uma pessoa muito brava, que as pessoas tinham medo de falar comigo porque eu respondia direto e de forma considerada dura. E eu não me via necessariamente assim, mas o meio que eu estava me fazia me comportar assim porque eu via que mulheres que não agiam desta forma tendiam a ficar estagnadas. Era meu mecanismo de defesa para não estagnar ou para as pessoas não passarem por cima de mim.

A falta de segurança psicológica nos impede de demonstrar mais vulnerabilidades. Como liderança e empresa precisamos construir ambientes psicologicamente saudáveis, ou senão não conseguiremos nos demonstrar vulneráveis nem estimular que as pessoas façam o mesmo.

Hoje tento criar esse ambiente com as pessoas que lidero, para que sejam líderes assim também, por exemplo, demonstrando vulnerabilidade na falta de algum conhecimento, compartilhando problemas pessoais e pedindo ajuda quando necessário, alimentando uma troca, e aprendo muito com eles e elas todos os dias. Somos seres humanos e isso transcende nossa relação de hierarquia. Gostaria que fosse uma receita de bolo (risos), acredito que a mensagem aqui é atenção às nossas relações para que sejam mais humanas e empáticas.”

NEO:

Quanto mais mulheres vemos em posições de liderança, mais sentimos que ali é o nosso lugar, e que pertencemos a este ambiente. Como podemos aumentar a representatividade no ecossistema empresarial de forma sustentável?

Marta Magalhães:

“Acredito que ações afirmativas ainda precisam e devem existir, além de um trabalho de suma importância que vem desde a formação durante a infância – estimular a cada vez mais meninas e mostrar que isso é possível.

A representatividade é importante, pois quando você consegue contar para as pessoas coisas que você viveu, como aconteceu com exemplos, você consegue fundamentar a importância da diversidade. Precisamos ter um processo de educação, do que é cada tipo de diversidade, estimular que as pessoas busquem aprender sobre isso, tanto quanto sobre hard skills. Vejo que nosso papel como liderança é o de conduzir, guiar, inserir isso como pauta dentro dos times para que as pessoas se interessem em buscar, entendam os motivadores e comecem a ser empáticas no momento de receber profissionais e que os processos de mentoria aconteçam de forma natural. Não adianta criarmos processos seletivos focados em diversidade se quando essas pessoas chegam elas não são bem acolhidas, não conseguem ver caminhos para seguir.

No processo de formação da minha equipe eu não fiz isso sozinha, tenho orgulho em dizer que foi um trabalho de time e isso possibilitou que eles e elas se sentissem psicologicamente seguras para serem se mostrarem como são, para contribuírem com suas opiniões sobre quais perfis eram importantes e nos ajudariam a crescer. Essa abertura para comunicação incrementa muito a produtividade porque você está mais preocupado com aquilo que está construindo do que com inventar uma história para encobrir quem você realmente é. Falo por mim mesma, o Meli foi a primeira empresa onde me senti tranquila para assumir que sou uma mulher lésbica e, ao fazer isso, minha conexão com meu time se fortaleceu ainda mais, fui muito acolhida por todos e todas.

Eu tenho minhas atribuições no Mercado Livre, mas considero que uma das maiores delas é dar perspectivas aos grupos de diversidade da empresa para que eles entendam que também podem ascender, que eu talvez tenha quebrado pedras maiores para que elas venham com um caminho com menos dificuldades.

Quando conseguimos demonstrar que essa é uma preocupação genuína as coisas funcionam muito melhor. É uma alegria imensa estar com as pessoas com quem estou hoje, trabalhar com profissionais que são abertos a essa pauta de equidade de gênero e tantas outras e lutam comigo para que construamos um cenário profissional de tecnologia ainda melhor, são pessoas que me ensinam muito todos os dias, sim a nível Mercado Livre, e especialmente meu time.”

20 maio 2022