Danilo Telles | Grupo Boticário

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Danilo Telles

Em celebração ao Dia da Consciência Negra, o #NEOEntrevista conta com a participação de Danilo Telles, Gerente Comercial e integrante da Jornada de Aceleração de Negócios do Grupo Boticário. O bate-papo foi liderado pela Giulia Stelzer, headhunter da NEO Executive Search e você pode conferir abaixo um pouco mais dessa troca!

Giulia Stelzer:

Antes de mais nada, conta pra gente um pouco mais sobre o Danilo fora do mundo corporativo!

Danilo Telles:

“Sou casado há 9 anos e tenho um filho de 7 anos. Meu pai é falecido e minha família hoje somos nós três, minha mãe e minha irmã.

Falando de mim, gosto muito de arte, fiz teatro por muito tempo. Morei muitos anos no litoral e vim para São Paulo para ser ator, mas as coisas foram acontecendo de outra forma – e tudo bem. No teatro a gente enxerga a vida com o olhar do outro, isso ensina muito sobre empatia, como a ação humana envolve as experiências e a bagagem que cada um carrega. Com a chegada do João, meu filho, eu comecei a mergulhar mais no universo dele, assistir e interagir com os desenhos, com a dinâmica das viagens [do cargo atual] eu assisto os desenhos no hotel, ele de casa e acompanhamos juntos.”

Giulia Stelzer:

Como e quando começou seu envolvimento em pautas de diversidade corporativas? Foi uma iniciativa própria/natural? Ou foram as empresas que trouxeram essa pauta?

Danilo Telles:

“Tudo isso começou um pouco antes, a pessoa negra precisa se descobrir negra para depois se descobrir como pessoa. Muitas vezes isso vem por meio de algum trauma ou impacto com a sociedade e cada um tem seu próprio timing. Enquanto isso não acontece a pessoa fica em um processo de sofrimento incompreendido, de entender onde ela se encaixa dentro da sociedade. Comigo isso aconteceu com 19 anos, quando saí de Mongaguá, vim para São Paulo fazer teatro e me deparei com uma agência de modelos negros, conheci um coletivo e comecei a participar de discussões. No início eu não compreendia muito bem as pautas que estavam sendo discutidas e costumava assistir muito mais. Cresci entre pessoas brancas e miscigenadas, já notava a diferença de tratamento, mas até então não entendia porque nada daquilo acontecia. Com a ajuda deste grupo eu fui me empoderando, entendendo mais, criando coragem para ser cada vez mais eu mesmo e percebi como o meio impacta nesse processo.

Quando eu saí do meio da moda e entrei no mundo corporativo levei um choque. Primeiro teve uma questão geracional, eu ainda era muito jovem, trabalhando com pessoas mais velhas. Além disso o momento do país era outro, o Brasil ainda estava começando a falar sobre a pauta da diversidade. Nesse momento eu comecei a aprender a lidar com opiniões adversas e todas as questões emocionais que envolvem tudo isso. Desde essa primeira experiência profissional eu sempre busquei provocar discussões nas empresas por onde passei. A diversidade está no olhar, só a minha presença em um lugar já provoca uma discussão: porque não há mais pessoas como ele aqui? Hoje esse é um questionamento mais comum, mas naquela época não. Há um pacto narcísico, as pessoas costumam defender seus próprios privilégios e há uma resistência quando surge uma ameaça a isso.

Eu passei por algumas empresas, em algumas delas eu não era o único negro, mas éramos poucos, três pessoas apenas. Até então eu falava muito sobre tudo isso entre nós, mas em uma dessas empresas eu tive contato com uma gestora que proativamente abordou esses assuntos, pela primeira vez não era eu provocando a discussão e foi aí que eu percebi que havia outras pessoas como ela, aliados nessa pauta. Foi um momento muito bacana, eu fui ganhando maturidade e bagagem racial para trazer as questões para a pauta com mais sabedoria, fazer as conexões e impactar as pessoas de acordo com a sua individualidade.

Nessa época havia também um contexto político do país muito austero, onde havia uma crescente na abordagem da pauta social como questão partidária – o que não é verdade. Eu adotei muitas estratégias diferentes para enfrentar o que as pessoas chamavam de “mimimi”, como o “Teste do Nariz”, “levanta o nariz e veja quantos negros estão aqui”, “porque eles não estão aqui”. Aqui entra muito a questão de privilégios e meritocracia, algumas pessoas entendem que ter privilégio é um demérito. Privilégio existe porque olhamos para um universo limitado, não há a mesma oportunidade para todos: será que os resultados de uma seleção seriam iguais se esse universo fosse expandido? Talvez sim, talvez não. Eu sempre trazia exemplos do racismo e mostrava que muitas situações de preconceito racial que adultos enfrentam acontecem com crianças também, isso provoca traumas que te impactam e enfraquecem na vida adulta. Quando uma pessoa fica triste com um episódio de racismo, não se trata só daquele episódio isolado e sim de todo um histórico de situações que aconteceram quando ela nem sempre teve sequer defesa. Hoje é muito legal quando pessoas que trabalharam comigo me mandam fotos de livros que leram – o livro do Lázaro Ramos – Na minha Pele, da Michelle Obama, Minha História – e que lembram de mim. É gratificante ver que eu ajudei as pessoas a saírem de um lugar ruim, esse é o papel da diversidade, da inclusão – estar aberto a falar sobre determinados assuntos e conquistar aliados. Eu conheci muitas pessoas que só tiveram relações com pessoas negras em uma dinâmica de superioridade, ao impactar uma pessoa nessa pauta ela impacta todas as pessoas a sua volta também.

Em uma dessas empresas já existiam 4 grupos de afinidade (LGBTQIA+ / Mulheres e Negócios / Pessoas com necessidades especiais / Negros). Lá já existia uma estrutura e uma empresa incentivando que tudo isso acontecesse, não era mais o Danilo falando apenas, eu tinha um lugar de fala definido. O preconceito é falta de conhecimento sobre determinado assunto e uma das iniciativas desse grupo foi de fato colocar todos na mesma página. Nós contratamos uma historiadora, Suzane Jardim, para lecionar sobre letramento racial. Eram encontros mensais que abordavam a questão histórica, colorismo, influência da mídia e encarceramento. Nós também fizemos uma Parceria com a Zumbi dos Palmares e foram contratados 12 jovens negros, todos eles tinham mentores e cursos de idioma e eu auxiliava todos os mentores nessa jornada. Foi vendo esses jovens que comecei a me reconectar com o Danilo do início de carreira, sem muita consciência racial. Esses jovens já chegaram de black power, entendiam mais sua identidade e o ganho da presença deles e o que isso contribui em termos de inovação e do social. Ao sair dessa empresa eu sentia muita falta desse trabalho com os jovens e foi aí que eu iniciei o Carreira Preta. Hoje no Grupo Boticário já estou em um canal que tem muito match comigo, Venda Direta é o canal mais plural da companhia, nós temos muito contato com revendedoras com diferentes histórias de vida e todos os gerentes são muito diversos.”

Giulia Stelzer:

Explica pra gente o que é e como funciona o Carreira Preta na prática atualmente.

Danilo Telles:

“Atualmente o Carreira Preta é um grupo no WhatsApp aonde compartilhamos vagas de emprego direcionadas para o público negro e oferecemos suporte a jovens de 17 a 19 que estão começando no mercado de trabalho.

Hoje eu tenho muitos sonhos para o Carreira Preta, tenho muita vontade de usar meu conhecimento profissional, da minha rede de relacionamentos para conseguir fazer ponte entre aliados que já trabalham na área e nosso público, dando um direcionamento em um momento tão decisivo que é o início de carreira.”

Giulia Stelzer:

Nos últimos anos vemos muitas empresas fazendo um esforço para atração de talentos e promoção de diversidade em suas equipes. O que você acredita que são iniciativas importantes na retenção e encarreiramento dessas pessoas?

Danilo Telles:

“A primeira coisa é ter um alinhamento de expectativas entre o RH e liderança da empresa no momento de construção do processo seletivo. Vivenciamos um cenário da economia brasileira aonde poucos tem acesso a idiomas, por exemplo. Como exigir inglês fluente no momento da efetivação de um estagiário que completou seu ciclo de estágio em um ano? Se os líderes não estiverem alinhados com o propósito de um programa como esse, não haverá a possibilidade de retenção de perfis diversos. É importante que principalmente a liderança mais júnior esteja comprada com essa ideia, pois irão impactar acima e abaixo a organização. Aí que entra aquilo que já te comentei sobre a importância da capacitação e nivelamento do conhecimento. Mas essas ações precisam ser metrificadas para capturarmos sua efetividade e a real compreensão e absorção dos temas.

Não adianta você colocar 1%, 2% de negros no quadro, porque a gente precisa se ver no local de trabalho, quando a gente se vê a gente se reconhece. Se eu não vejo um líder negro eu não acredito que posso chegar lá. Então a empresa acaba perdendo um talento para outras que tenham uma liderança diversa.”

Giulia Stelzer:

Para finalizar, gostamos sempre de pedir uma recomendação de conteúdo. Não precisa necessariamente ser sobre a pauta de diversidade, pode ser um filme, livro, algo que você goste.

Danilo Telles:

“Eu recomendo sempre a Coleção de feminismos plurais da Djamila Ribeiro. Essa coleção é incrível porque cobre tudo sobre letramento racial. E de série eu recomendo muito Olhos que Condenam, pra gente entender esse “fim da cadeia”, às vezes a gente pensa que é só sobre diversidade e inclusão no mercado de trabalho, mas o fim da cadeia é triste e forte.”

3 fevereiro 2022